quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

LUTO - Mas um anjo está no céu - Zilda Arns


Família de Zilda Arns espera que o corpo da médica chegue ao Brasil até o fim de semana

Plantão | 13/01 às 19h13 Ana Paula de Carvalho, especial para O Globo

CURITIBA - A família da médica Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança que morreu após ser atingida por escombros do terremoto no Haiti, tem a expectativa de que seu corpo chegue ao Brasil até o final desta semana. A informação é de Nelson Arns Neumann, um dos filhos de Zilda Arns e coordenador-adjunto nacional da Pastoral da Criança.

- O Ministério das Relações Exteriores cedeu um avião para trazer o corpo ao Brasil e a previsão é que chegue nas próximas 24 horas - informou ele.

Em entrevista coletiva na sede da entidade, onde voluntários e funcionários estavam emocionados e em estado de choque pela tragédia, ele divulgou detalhes da morte da mãe. Ele adiantou ainda que o velório será feito na sede da Pastoral e que o enterro será no Cemitério Água Verde, na região central de Curitiba.

- Ela estava fazendo um discurso em uma igreja para cerca de 150 pessoas, quando ocorreu o terremoto. Os escombros caíram sobre ela. Segundo as pessoas que estavam no local, ela faleceu na hora.

O arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns divulgou uma nota, ao saber da morte da irmã. Segundo ele, Zilda "morreu de uma maneira muito bonita" por defender uma "causa em que sempre acreditou".

"Que nosso Deus, em sua misericórdia, acolha no céu aqueles que na terra lutaram pelas crianças e os desamparados", escreveu dom Paulo, que encerrou a nota dizendo que "não é hora de perder a esperança.

Filha lembra última conversa com a mãe

Nelson Arns definiu a mãe como persistente e adiantou que nada abalava a coragem da missionária.

- Se fôssemos definir Zilda Arns com uma palavra, seria persistência. Quando minha mãe estabelecia uma meta ela ia até o fim. Nada a abalava ou a impedia de concretizar um projeto. A verdadeira homenagem que podemos prestar a ela é garantir a vida às nossas crianças - disse.

A seu lado, a irmã Heloísa lembrou a última vez que conversou com a mãe.

- A gente se falou domingo e ela estava bem animada. Está difícil. Ela sempre era de reunir a família. Fez isso dia 12 de dezembro com a família Arns e no dia 25 reunindo filhos e netos - disse com a voz embargada.

A voluntária Maria Ceiça relembra emocionada uma das conversas com a líder da Pastoral durante a festa de confraternização da entidade, em dezembro.

- Nós temos que continuar. Mulheres como a gente morre rápido e fermenta rápido. Eu preciso desse fermento em Timor Leste e outros locais do mundo onde estamos. Amar é fazer o outro crescer. Quem ama faz isso e a Dra. Zilda me ensinou isso.

Zilda interrompeu férias para viajar ao Haiti

Aos 73 anos, dona Zilda, como era chamada, sempre foi muito ativa e interrompeu as férias que passava com a família na praia especialmente para a viagem ao Haiti, que havia sido adiada quatro vezes. Em meio à dificuldade com emissão de passagem e do passaporte, ela conseguiu seguir para uma das muitas viagens que estavam programadas para este ano.

O dinamismo de Zilda Arns é relembrada pelo sobrinho Sérgio Arns. Ele disse que a tia sempre prometia nas festas de fim de ano diminuir o ritmo de trabalho no ano seguinte e nunca cumpria.

- Ela dizia que a Pastoral era a 'cachacinha' dela - lembra.

Líder deixa 300 mil voluntários órfãos

Além dos cinco filhos e de dez netos, Zilda deixa 300 mil voluntários órfãos. Uma delas é Amélia Cabral Alessi, que está na Pastoral há 14 anos.

- Ela era uma mãe bondosa, que ensina a praticar caridade, a dar valor a uma grande amizade e a ganhar confiança das pessoas mais humildes. Vamos continuar o trabalho. A dona Zilda não iria querer que a gente abandonasse - declarou emocionada.

A voluntária Gildete Alves Fonseca de Oliveira Ramos estava chocada com a tragédia que vitimou a fundadora da entidade.

- Ouvi a notícia e ainda não acredito. Agorinha mesmo ela esteve aqui, em agosto do ano passado. Depois da minha mãe é a pessoa que mais amo - disse aos prantos.

Ela conta que a Pastoral vai continuar, mas considera insubstituível a capacidade de Zilda Arns contagiar todos:

- A gente vai sentir muita saudade dela. Nos encontros que a gente tinha de capacitação, ela contagiava com sua alegria. Era um exemplo de vida, uma pessoa muito humilde. Não conheci nenhum ser humano como ela. Guardo no meu coração essa lembrança da persistência e da insistência em transformar. Ela poderia estar de férias no melhor paraíso do mundo, mas foi em busca de melhorar a vida daquele povo - relatou.

Agenda de viagem incluiu vários países

Não era só no Haiti que Zilda pretendia ajudar a população com a receita simples mas eficiente do soro caseiro e do controle da pesagem. Sua fórmula vencedora foi capaz de reduzir a mortalidade infantil e mobilizar um verdadeiro exército de voluntários.

De acordo com a assessora da Pastoral da Criança Internacional, Vander da Silva, todo planejamento para este ano já estava definido. Zilda seguiria para Colômbia e Uruguai em fevereiro, seguiria para o México em março e depois iria para a Argentina em maio. República Dominicana seria o destino em junho, seguida de Angola e Guiné-Bissau em outubro.

- O irmão Nelson Arns disse que o trabalho continua, embora a ausência da liderança de Zilda Arns será sempre sentida.

- A Pastoral vai continuar de maneira diferente, mas unida com a missão de levar vida em abundância a todas as crianças que necessitam. Sabemos que Zilda não pretendia parar seu trabalho agora. Ela ainda tinha muitos planos, muitos sonhos - relatou.

A Pastoral da Criança, criada em 1983, está presente em 4 mil municípios do Brasil e acompanha 1,7 milhão de crianças e gestantes. Em todo o mundo são mais de 300 mil voluntários. O trabalho da instituição é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde.

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